Friday, September 26, 2008

"- O doutor quer saber como é o negro? Venha cá.
Vossa Senhoria 'garre um juda de carvão e judie dele; cavoque o buraco
dos olhos e afunde dentro duas brasas
alumiando; meta a faca nos beiços e saque fora os dois;
'ranque os dentes e só deixe um toco; entorte a boca de viés
na cara; faça uma coisa desconforme, Deus que me perdoe.
Depois, como diz o outro, vá judiando, vá entortando as
pernas e esparramando os pés. Quando cansar, descanse.
Corra o mundo campeando feiúra braba e aplique o pior no
estupor. Quando acabar 'garre no juda e ponha rente de
Bocatorta. Sabe o que acontece? O juda fica lindo!...
Eduardo desferiu uma gargalhada."

Eis a descrição da feiura pelo Monteiro Lobato. Uma criatura retorcida, com olhos afundados, boca sem dentes e, misteriosamente, NEGRO.

O preconceito racial, apesar de todo o discurso da "multiplicidade" de cores, ainda é uma realidade muito forte no Brasil. Herança de mais de trezentos anos de escravidão africana, na qual os negros eram tratados como objetos - tanto que ao estudarmos a economia do Brasil na república velha veremos que "surtos industriais" ocorreram pela "sobra" do dinheiro empregado no "comércio de negros". Não é tão fácil se livrar desse fardo...Tanto que nosso pré-modernista Monteiro Lobato coleciona arcaísmos e um deles é o preconceito.
Mais desanimador ainda é ver que quase um século após a publicação de Urupês, depois da libertação do continente africano, da queda do apartheid, de Nelson Mandela ... estamos nós aqui, discutindo (monologando, seria melhor) sobre o mesmo problema do "preconceito nosso de cada dia".

2 Comments:

At 8:33 AM, Blogger Marcelo de Freitas said...

e enquanto este discurso for um monólogo, agora diálogo, não vamos ter melhorias. O que quero dizer é que líderes como Luther King e Mandela estão sendo esquecidos e o mundo precisa rever e reviver ações de inclusão, não só do negro, na sociedade moderna.
(sem paternalismo, por gentileza)

continue crescendo, "seu bufalo"

 
At 10:16 AM, Anonymous Anonymous said...

Por essas e outras é que eu defendo, ainda que timidamente, as ações afirmativas. A herança de preconceito ainda lateja, e, surpreendentemente da importância transferida para isso em outros países, aqui vira uma piada.

 

Post a Comment

<< Home